O Mercosul é a mais relevante iniciativa de inserção internacional já adotada pelo Brasil. O bloco, que completa 30 anos de existência neste mês, teve um excelente começo, com redução de barreiras tarifárias e atração de investimentos externos. Demos início, então, a uma integração produtiva em setores de forte impacto econômico e social, mas o movimento perdeu força nos últimos anos. Precisamos urgentemente dinamizar esse processo de integração comercial e fortalecer os laços que nos unem.
Os fluxos comerciais viabilizados pelo Mercosul têm extrema importância para o Brasil. Os países do bloco são responsáveis pelo segundo maior saldo positivo na balança comercial brasileira na última década e pela maior massa salarial dos nossos trabalhadores (R$ 670 milhões em salários por bilhão de reais exportado). Também promovem o maior impacto na cadeia produtiva doméstica: cada bilhão de reais em exportações para os parceiros do bloco gera R$ 4,12 bilhões na economia brasileira, volume R$ 1 bilhão maior do que o propiciado pelos negócios com a China.
É verdade que obtivemos conquistas recentes na agenda econômica do Mercosul, que devem inspirar o caminho daqui para a frente. Como exemplo, temos o acordo Mercosul-União Europeia e os acordos intrabloco em investimentos, compras públicas e facilitação do comércio. Ainda assim, o Mercosul não tem sido capaz, ultimamente, de aprofundar sua integração interna e externa.
A principal explicação está na deterioração econômica dos países do bloco e na relativa volta da preponderância de produtos primários nas pautas de exportação. Divergências políticas, abandono da agenda comercial e crises institucionais causadas pelo alargamento do bloco também dificultaram seu avanço. Infelizmente, isso resultou na perda de confiança e de importância do comércio intrabloco, além do afastamento entre o Mercosul e o mundo. Passadas três décadas da sua criação, é oportuno repensarmos essa importante experiência de integração, corrigindo a rota e modernizando regras para promover o livre comércio e a inserção na economia global.
O setor industrial identifica quatro elementos fundamentais para a estratégia futura do Mercosul, sendo o primeiro e mais urgente a recuperação do crescimento econômico dos países que o integram. Metas realistas que contribuam para estabilizar economicamente a região podem dar bons frutos a médio e longo prazos, mas precisam ser regularmente acompanhadas por todos os membros. Objetivos inviáveis, como uma moeda única ou uma convergência total nas políticas a serem adotadas, precisam ser descartados.
O segundo fator estratégico é continuar a celebrar tratados comerciais. O recente Acordo Mercosul-União Europeia é uma significativa amostra de como o bloco pode concluir negociações de maneira ampla e equilibrada. Os nossos parceiros europeus são, historicamente, os que mais fazem negócios e investem no Mercosul.
Flexibilizar o bloco para que os países possam fazer acordos de forma isolada já ocorreu nos casos de México, Egito e Israel. Mas a flexibilização não deve ser feita se o objetivo for negociar com países que não jogam conforme as regras internacionais. Tais acordos aprofundariam um padrão de integração com base em recursos naturais, com baixa agregação de valor. É uma decisão que prejudica o setor industrial do Mercosul, afetando empregos e perspectivas de desenvolvimento econômico.
O foco imediato deve ser internalizar o Acordo Mercosul-União Europeia e o com a Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA), celebrar tratados com Canadá, Reino Unido, América Central e México, além de aprofundar os já existentes no âmbito da América do Sul. Por fim, devemos construir uma agenda séria de livre comércio com os Estados Unidos.
O terceiro ponto é dar uma clara orientação para a integração intrabloco. Os membros ainda convivem com barreiras não tarifárias e com a demora ao internalizar seus compromissos. O acordo em compras governamentais do Mercosul, por exemplo, foi celebrado em 2017, mas segue em análise nos parlamentos dos membros. É preciso acompanhar esse trabalho legislativo para que os tratados de fato entrem nos ordenamentos jurídicos. Além disso, a participação mais ativa dos setores empresariais na agenda ampla do Mercosul e o fim de grupos temáticos que não sejam necessários ao progresso comercial dariam mais leveza institucional e agilidade ao Mercosul.
O quarto e último elemento de uma estratégia para fazer o Mercosul avançar seria dar atenção ao desafio de se aumentar a competitividade nacional. O Mercosul não tem responsabilidade sobre as mazelas brasileiras que impedem nossa integração externa. Por exemplo, temos regras de preços de transferência e acordos tributários desalinhados com o resto do mundo, que encarecem o comércio intraempresa e fazem nosso país ser preterido nas estratégias globais das companhias.
A legislação arcaica inibe investimentos das nossas multinacionais no mundo. Tampouco podemos atribuir ao bloco o fato de o Brasil ter o maior número de tributos sobre as importações de serviços. A integração só será bem-sucedida se tocarmos em todos esses pontos. Ser competitivo no concerto regional e global das nações exige atenção a investimentos e serviços, e uma agenda de acordos com países com os quais temos mais comércio intraindústria.
Os maus resultados do Brasil e do Mercosul nos últimos anos são um sinal de alerta para correção de rota. Precisamos aprender com os erros do passado, evitar a politização nas decisões e manter a obstinação em avançar na agenda econômica, que é vantajosa para todos os membros. O Mercosul é uma extraordinária experiência de integração internacional que não devemos abandonar, mas que, para avançar, precisa ser aperfeiçoada e aprofundada.
*Robson Braga de Andrade é presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI)
O artigo foi publicado no site do jornal O Globo nesta sexta-feira (26).