A Conferência do Clima, COP30, realizada em Belém (PA), terminou no dia 22 de novembro último com avanços e pendências que devem continuar sendo debatidas, segundo análise das principais autoridades e militantes da área ambiental tanto do Brasil quanto do cenário internacional. Durante duas semanas intensas, representantes de mais de 190 países tentaram fechar acordos e chegar a um denominador comum a respeito de uma série de medidas para mitigar a crise climática, mas houve dificuldades na inclusão do “Mapa do Caminho” (Roadmap), que ficou fora do documento final, apesar de ter recebido o apoio formal de mais de 80 países.
A proposta estratégica elaborada pelo Brasil visava estabelecer uma série de medidas para reduzir o uso de combustíveis fósseis e zerar o desmatamento. O Mapa do Caminho foi liderado pela ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva e defendido pelo presidente Lula que fez um discurso contundente na Cúpula dos Líderes que aconteceu nos dias 6 e 7, marcando a abertura simbólica da Conferência da ONU.
29 textos
A COP30 encerrou com a aprovação de 29 textos que tiveram pontos centrais sobre temas como adaptação climática, transição justa, medidas de mitigação e gênero. Entretanto, chegar a um consenso entre os países foi um grande desafio. Na primeira semana das negociações, o Brasil conseguiu retirar as pautas consideradas mais polêmicas da agenda oficial e colocá-las em um grupo separado de discussão.
A presidência da COP tinha a intenção de tratar do Mapa do Caminho em uma discussão paralela devido à resistência de países produtores de petróleo. A União Europeia afirmava que não aceitaria nenhuma decisão final do documento caso o Mapa do Caminho não fosse citado e isso travou as discussões até o último momento.
Fundo
Além disso, não houve referência clara sobre quais providências serão adotadas para manter o aquecimento abaixo de 1,5° C, segundo cientistas esse limite já vem sendo superado. Apesar do texto final aprovado ter segurado metas ambiciosas, o governo brasileiro reconheceu os avanços como o lançamento do Fundo Florestas Tropicais Para Sempre (TFFF na sigla em inglês), iniciativa multinacional voltada à conservação e restauração de florestas tropicais. Além da participação dos povos indígenas e comunidades tradicionais nas discussões.
Frustrante
A diretora-executiva da Conferência, Ana Toni, afirmou que foi “frustrante” a não adoção por parte dos países em estabelecer o Mapa do Caminho para planejar a substituição dos combustíveis fósseis. Ela reconheceu que o tema não havia sido abordado desde os encontros preparatórios realizados em Bonn, na Alemanha, etapa em que os governos discutem questões técnicas e políticas para avançar nas negociações levadas para a COP.
“Foi uma frustração no sentido de que a crise climática necessita de um mapa do caminho. Ao mesmo tempo, a gente sabe que, diferente dos outros temas, essa agenda não foi colocada na agenda desde Bonn, como todos os outros temas.”
O presidente da COP30, André Corrêa do Lago, disse que mesmo que o Mapa do Caminho tenha ficado de fora, seria divulgado separadamente como uma iniciativa exclusiva da presidência brasileira, e afirmou que usará os 11 meses restantes de mandato à frente da COP para fomentar o debate sobre a viabilidade da transição energética.
Pendências
Especialistas consultados foram unânimes em afirmar que a Conferência do Clima realizada no país despertou, ao longo do último ano, grandes expectativas quanto à adoção, a partir das discussões em Belém, de medidas e compromissos voltados a transição das energias baseadas em combustíveis fósseis para fontes consideradas limpas. Entretanto, ressaltam que eram necessárias declarações e acordos efetivos sobre o financiamento, por parte dos países ricos, a nações em desenvolvimento, sobretudo diante do cenário crítico que, segundo as fontes ouvidas, evidencia o avanço acelerado da humanidade rumo a um colapso ambiental e ecológico.
O climatologista Carlos Nobre – que integra o grupo de pesquisadores do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) –, avalia que a falta da menção à redução rápida dos combustíveis fósseis no documento final da COP é um fator preocupante. Ele aponta que os países produtores de petróleo têm dificultado metas climáticas mais ambiciosas. Nobre alerta ainda que 75% das emissões de gases de efeito estufa vem dos combustíveis fósseis, e que, em cerca de 10 anos, o mundo deve ultrapassar o limite de 1,5°C de aquecimento global.
“Nós cientistas dizemos com clareza que não ficamos nada satisfeitos, inclusive com a retirada do Mapa do Caminho. Não falaram nada de redução rápida dos combustíveis fósseis. Eu acompanhei as discussões nos últimos dias, vários países queriam que isso fosse colocado, e outros países produtores de petróleo não permitiram; não surgiu o consenso, foi uma situação bem complexa”, pontua.
Na avaliação do climatologista e professor do departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Francisco Mendonça, a Conferência era especialmente aguardada não por trazer novas estratégias de enfrentamento à crise climática, mas por avançar na implementação das ações.
“Tínhamos a esperança de que o Mapa do Caminho ia pelo menos ser mencionado no documento. Mas não aconteceu, o petróleo venceu, os produtores de petróleo venceram. Realmente foi uma expectativa não atendida. A gravidade do problema foi mostrada em Belém, a ciência tem chamado a atenção para a necessidade do abandono dos combustíveis fósseis. O Brasil é um país importante, sediou esta COP, é um player mundial importantíssimo, mas nós não temos condição, enquanto país, de tomar ou provocar uma decisão de tamanha profundidade no mundo.”
Avanços
Apesar das dificuldades apontadas na Conferência, especialistas reconhecem os avanços registrados na COP30. O primeiro avanço é referente a adaptação climática. Foram estabelecidos uma lista de indicadores e critérios técnicos e científicos para medir as ações adotadas pelos países na adaptação às mudanças climáticas. O tema seguirá sendo debatido na COP 31. Outro avanço citado é a ampliação geral do financiamento federal dos países, apesar de não citar o valor, o texto final pede esforços para triplicar o financiamento até 2035. O lançamento do Fundo Florestas Tropicais Para Sempre (TFFF na sigla em inglês), iniciativa multinacional voltada à conservação e restauração de florestas tropicais, também é destacado como uma iniciativa positiva.
A meta é reunir 25 bilhões de dólares provenientes de países e governos, e 100 bilhões do setor financeiro privado para um fundo de investimento. Os recursos deverão ser aplicados em iniciativas sustentáveis.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, fez um discurso realista no encerramento da Conferência. Ela citou que foi dado um passo importante no reconhecimento dos povos indígenas e comunidades tradicionais, responsáveis por manter as florestas em pé. A ministra também falou dos avanços nas discussões climáticas mesmo que modestos e citou o lançamento do TFFF e o classificou como “um mecanismo inovador que valoriza aqueles que conservam e mantém as florestas tropicais”.
O texto do Mutirão Global abriu uma parte importante para o avanço da adaptação com o compromisso dos países desenvolvidos de triplicarem o financiamento até 2025″, escreveu a ministra em seu discurso.
Transição energética
As discussões sobre a transição energética devem seguir. A Colômbia e a Holanda estão organizando uma Conferência Internacional de grande relevância prevista para o fim de abril de 2026, em Bogotá, visando reunir países e definir caminhos concretos para a transição energética. Foi lançado um desafio à comunidade científica de elaborar um painel científico dedicado à transição para buscar meios de zerar o uso de combustíveis fósseis. A expectativa é que as discussões avancem para a COP31 que deve acontecer na Turquia.
A importância de seguir com as discussões também é defendida por Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima. Ela ressalta que, na COP30, entregou-se o possível. “Nunca será o que gostaríamos de ver”. Entretanto ela reforça que é fundamental dar seguimos aos debates, especialmente em relação a transição energética. “Esperamos que esses países participem da discussão na Colômbia. Precisamos manter o engajamento e a participação para que esse tema [transição energética] se torne incontornável na próxima Conferência.
Participação indígena
Os povos indígenas foram incluídos em três textos fundamentais e foram apontados como agentes cruciais na mitigação da crise climática. O líder indígena e membro da Coordenação da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Beto Marubo, afirma que a participação dos indígenas nas zonas da Conferência representou um avanço significativo, especialmente em comparação com as edições anteriores. Para ele, esse é um dos legados positivos deixado pela COP 30.
Em concordância com a liderança, o climatologista Francisco Mendonça afirma que o maior legado da COP30 é a participação dos povos indígenas. “A COP30 deu uma sacudida no Norte Global, nos países desenvolvidos, nos grandes destruidores — direta e indiretamente — da natureza, da Amazônia. Eles tiveram que conviver com centenas de indígenas que vieram com suas características: caras pintadas, cocares, roupas e encheram as zonas. Fizeram passeatas, reivindicaram por maior participação. Esse foi o grande ganho da COP.” ( Com informações do Correio da Manhã e agencias nacionais ).
• Em 24- 11- 25• Foto : Divulgação










